sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Entrevista: Nelma Pereira




Nelma Pereira da Silva, 40 anos, psicóloga.
Está à frente da coordenação do Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente Pe. Marcos Passerini desde março de 2000.


O Centro tem uma atuação antiga, mas muita gente ainda desconhece o papel dele. Qual o papel do Centro de Defesa Pe. Marcos Passerini?
O papel do Centro de Defesa Marcos Passerini é defender os direitos e interesses de crianças e adolescentes no Estado do Maranhão. É legalmente respaldo pelo Artigo 87, V, do ECA*, que permite que a proteção jurídico-social possa ser feita por entidade de defesa de direitos. A instituição foi fundada em 9 de agosto de 1991 e surgiu pela necessidade de estruturação de um serviço especializado na defesa e garantia de crianças e adolescentes, principalmente o público das camadas menos favorecidas. O Centro não é um escritório de advocacia e suas ações não se restringem meramente a ações judiciais: exercemos um papel formativo, informativo e provocador de políticas públicas. O Centro não tem a pretensão de substituir o Estado, mas de exigir que o Estado cumpra o seu papel. Por isso, não agimos em todos os casos, mas naqueles mais emblemáticos, de forma que o resultado possa ter uma repercussão ampla, para todas as crianças e adolescentes.
*Está no Título I “Da Política de Atendimento”, Capítulo I, que trata das disposições gerais da política de Atendimento.


O que o Centro tem feito nestes anos em defesa dos direitos da criança e do adolescente?
Atuado de forma multidisciplinar em casos de violação ou de violência contra crianças e adolescentes a exemplo do Caso dos meninos emasculados, casos de exploração sexual contra
adolescentes em Caxias, casos de exploração sexual denunciados na CPMI nacional e CPI estadual, casos de abuso sexual em escolas, situação de adolescente em cumprimento de medida sócio-educativa, caso de abuso de autoridade por parte de profissionais da segurança pública. Além disso, tem buscado sensibilizar a sociedade quanto ao trabalho infantil, inclusive o trabalho infantil doméstico; enfrentamento da violência doméstica; assim como no fortalecimento dos conselhos de direito e tutelares nos municípios maranhenses.

Quais os trabalhos mais destacados?
O caso de maior repercussão foi o dos Meninos Emasculados, que denunciou o Estado brasileiro à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados americanos
(OEA). Outro trabalho de destaque é o Projeto Rompendo o Silêncio, de enfrentamento aos casos de violência sexual em São Luís. Através deste Projeto foi implantado o Centro de Proteção à Criança e ao Adolescente (CPCA) na capital, composto pelos seguintes órgãos: Delegacia, Promotoria e Varas Especializadas em Crimes contra Crianças e Adolescentes, bem como do Centro de Perícias com atuação nas áreas médica, psicológica e social.

Qual o quadro no país e no Estado do atendimento aos direitos de nossas crianças e adolescentes?
Apesar dos 18 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente, o atendimento aos direitos infanto-juvenis ainda não corresponde ao que esta lei estabelece, tanto em nível estadual quanto federal.
Ainda são registrados altos índices de violência contra crianças e adolescentes e há insuficiência de atendimento nas políticas públicas – saúde, educação, assistência social, segurança, cultura, esporte, lazer, habitação, infra-estrutura. Notadamente, registra-se alguns avanços no aspecto quantitativo da oferta dos serviços. No entanto, a qualidade deixa muito a desejar.

O Estatuto de Defesa da Criança e do Adolescente ajudou a melhorar este quadro?
Sem dúvida!!! Mas trabalhar na mudança de cultura requer tempo e muito esforço. O Estatuto da Criança e do Adolescente veio de encontro à política da situação irregular, onde crianças e adolescentes eram tratadas com discriminação social ou como objeto dos seus pais, responsáveis e até pelo Estado. Não havia uma igualdade de direitos, por exemplo, entre ricos e pobres. Estar na rua era considerado um problema da própria criança e nunca uma omissão de políticas públicas. O ECA inaugura a política da proteção integral, que determina que toda criança e adolescente seja tratada como sujeito de direitos, ou seja, com respeito, igualdade, cuidados de acordo com a fase de seu desenvolvimento e onde o Estado, a família e a sociedade são responsáveis por assegurar as condições dignas de vida a estas pessoas.

O que precisa ser mudado?

Na atual circunstância, o Estado brasileiro está dotado de ferramentas de cidadania. Há uma legislação e há órgãos e serviços estruturados, em âmbito federal, estadual e na maioria dos municípios maranhenses. Mas nem sempre as autoridades competentes tem usado esse aparato para assegurar as condições dignas de vida de crianças e adolescentes. É preciso uma mudança na mentalidade e valores de quem está em cargos públicos, sejam eles do executivo, legislativo ou da justiça, para que cumpram com as determinações legais.

Os governos têm adotado políticas que realmente protejam os direitos da criança e do adolescente?

Em parte. No âmbito federal há uma disposição mais notória, com a criação da Secretaria de Direitos Humanos, que tem status de ministério e tem incidido nas demais políticas públicas. Com isso, há uma dotação orçamentária contemplando os direitos humanos de crianças e adolescentes. Por força desta atuação federal, estados e municípios têm cumprido com certos programas e serviços, como o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), Bolsa-famíla, FUNDEB, implantação de Disque-Denúncia, Delegacias Especializadas em crimes contra Crianças e Adolescentes, Centros de Atenção Integrada à Saúde da Criança e do Adolescente, Conselhos de Direitos e Tutelares, Centros de Referência da Assistência Social (CRAS) ou os Centros de Referência Especializado da Assistência Social (CREAS). Contudo, muitas prefeituras só executam o básico e sob a ameaça dos cortes financeiros, deixando de se preocupar com as necessidades vitais de sua população. É bom lembrar que a criança vive é no município, por isso é dever dessa municipalidade primar pela garantia dos direitos de cada cidadão.

De que forma a sociedade contribui, ou como pode contribuir, com a luta do Centro?
Através do controle social. Isto já vem ocorrendo pela postura de denunciar os casos de violência contra crianças e adolescentes. Além disso, poderá aderir às nossas campanhas e fazer parte do nosso quadro de sócios solidários, que podem tanto ser pessoas físicas quanto jurídicas. Em breve nosso site estará no ar e nele as pessoas terão acesso a informações sobre a defesa de direitos e cidadania, assessoria a Conselhos de Direitos e Tutelares, sobre enfrentamento da violência sexual e doméstica e sobre prevenção e combate ao trabalho infantil. Estamos à disposição na nossa sede, à Rua Sete de Setembro, 208, Centro, São Luís-MA ou pelo e-mail centromarcospasserini@hotmail.com.


Quais outros projetos ou lutas nas quais o Centro está envolvido?

Fazemos parte de instâncias de defesa de crianças e adolescentes em nível nacional e estadual, como a Associação Nacional dos Centros de Defesa, Movimento Nacional de Direitos Humanos, Fórum Estadual de Erradicação do Trabalho Infantil e Rede Amiga da Criança. Quanto aos projetos, atualmente estamos capacitando mais de 1.300 pessoas na temática de enfrentamento da violência doméstica, através do curso semi-presencial “Semente de Girassol”, que tem o apoio do UNICEF e da Petrobras. Com o Projeto Cidadanear estamos intervindo nas políticas públicas dos municípios da Grande Ilha, promovendo o fortalecimento da sociedade civil, do poder público e do protagonismo infanto-juvenil, em parceria com a organização alemã Misereor. Outro foco é a sensibilização da sociedade e dos agentes públicos sobre os problemas da exploração do trabalho infantil doméstico, através de campanhas informativas e educativas.

Qual o objetivo do projeto Arte Solidária?

Primeiro, divulgar os direitos de crianças e adolescentes. Os artistas que aceitaram participar estão interpretando os direitos ao desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social expressos no ECA, de acordo com a especialidade artística de cada um, como fotografia e artes plásticas. Gentilmente, os artistas participantes doaram suas obras ao Centro de Defesa, cuja arrecadação obtida com a venda das obras será revertida nas ações da instituição. Com a exposição queremos também ampliar nosso número de sócios. A divulgação e manutenção das ações do Centro são nosso segundo objetivo.


Quais os artistas que participam do projeto e quem pode e como participar dele?

Nesta primeira edição, o Projeto Arte solidária conta com trabalhos dos jornalistas e fotógrafos Geraldo Iensen e Wilson Marques; dos ilustradores Paulo Ribeiro, Carlos Sales, Salomão Júnior, Helton Luís e Salomão Junior, dos artistas plásticos Iramir Araújo, Ana Borges, Beto Nicácio, Raimunda Fortes, Donato Fonseca, Maciel, Régis, Paulo César, Adrianna Karlem e João Carlos, dos fotógrafos Edgar Rocha, Márcio Vasconcelos, do cartunista Cabalau e do caricaturista Jonilson Bruzaca. Está sendo um prazer esta parceria e ficamos muito felizes em perceber a receptividade deles em dedicar seus talentos para divulgar os direitos de crianças e adolescentes. A cada ano o convite será lançado a outros artistas. A mobilização é feita pelos amigos e parceiros Beto Nicácio, Iramir Araújo e Nádia Nicácio, da Dupla Criação.

Algo mais?

Queremos reforçar o convite para que todos e todas prestigiem a exposição, que foi preparada com muito carinho pelas equipes do Centro de Defesa, da Dupla Criação e do SESC. Nosso segundo convite é para que as pessoas contribuam com a luta em favor da infância e adolescência.


Entrevista cedida a Walter Terr do Jornal Pequeno

Um comentário:

quallyz disse...

Nelma, bela entrevista e vamos seguindo, agora que o Eca completou a maior idade...

Martins/sindicato dos servidores do sistema penitenciário do Ma-SINDSPEM